Semana passada, assisti pela segunda vez, a um filme muito especial, que suscitou muitas reflexões acerca do processo de individuação, assunto que comecei a discutir no post passado.

O filme em questão é “Meu melhor amigo”. Filme sensível, profundo, doído, ao mesmo tempo que alegre. Conta a história de uma garotinha, abandonada pela mãe, que muda de cidade com o pai que é pastor.

Sentindo-se solitária no primeiro culto do pai, pede a Deus um amigo, pois as crianças da cidade da sua idade não dão muita atenção à ela.

Eis que seu pedido é atendido, mas diria, de um jeito nem um pouco convencional: um cachorro se apresenta em sua vida. A garota o salva de uma enorme confusão dentro de um supermercado.

Um lindo processo de amizade desenvolve-se entre eles. A garotinha compartilha suas emoções, seus medos, alegrias com o cão, que a escuta atentamente. Através da amizade entre eles a garota consegue se aproximar do pai, conversando mais com ele, principalmente a respeito de sua mãe.

Através da amizade com o cão, ela amplia seu leque de amizade, pois gradativamente o cãozinho a aproxima de todas as pessoas segregadas da cidade, que por suas peculiaridades, foram excluídas do convívio social.

A garotinha vai descobrindo e aprendendo de maneira mágica que a vida tem bons e maus momentos, assim como a bala, que tem um gosto doce com um toque de tristeza. Aprende também que olhar para ambos os aspectos com o mesmo carinho e atenção é muito importante.

Cada novo amigo que conhece tem algo a lhe ensinar. Ao ouvir suas histórias de conquista e perdas, cresce e aprende com eles. Seu grande aprendizado é justamente acolher os dois lados: triste X alegre; bonito X feio; cheiroso X fedido; bruxa X santa. Desta forma, a garota funciona como um elemento agregador da cidade, reaproximando as pessoas em suas tristezas e alegrias.

A garotinha ensina a todos a importância de olhar para dentro de si, para ambos os aspectos da alma e constata a importantíssima lição: para ter um amigo, é necessário saber ouvir. Faço um parêntese nessa parte e sugiro a leitura da crônica de Rubem Alves “A Escutatória”, que aborda essa questão.

Percebe o efeito transformador de ter ouvidos atentos às histórias conta; assim como de ouvir atentamente as histórias dos outros, não apenas com seus ouvidos, mas com seu coração. Percebe como essa valiosa troca alimenta sua alma.

E assim, desse jeito inusitado, salvando um cão de uma enorme confusão, que tem seu pedido atendido: constrói uma linda e transformadora rede de amizade. O cãozinho é um presente na vida de todos, pois os salva da prisão de si mesmos. Acaba por ensinar a importante lição: respeito pela alteridade.

Apresentado o filme, apresento minhas reflexões. Acho que esse filme retrata magnificamente o processo de autoconhecimento (individuação). Reflete o confronto corajoso e heroico com as tristezas e alegrias da vida e, principalmente, sobre a importância da entrega em relacionamentos genuínos, nos quais as trocas são verdadeiras. Acredito que a mensagem que esse filme traz é o ensinamento de atendermos o chamado da vida e, de aceitarmos nosso pedido do jeito que ele se apresentar. Caso a garotinha estivesse apegada a um modelo de amigo ideal, com características especificas, não acataria o chamado de acolher um pobre cãozinho, metido em confusão. Não o acolhendo, perderia a oportunidade de desenvolver novas amizades e, acabaria de fato sem nenhum amigo.

Esse filme é uma excelente metáfora para olharmos para nossos pedidos e avaliarmos se não estamos sendo rígidos e exigentes demais, apegados a uma expectativa ideal e irreal e, se de repente, não estamos perdendo oportunidades valiosas de nos autoconhecermos…