No post passado escrevi sobre a vivência de turbulência, quando a vida nos prega uma peça e tira tudo do lugar. Dando sequência à essa reflexão, gostaria de abordar o tema pós furacão, quando a poeira começa a dissipar-se e a nova paisagem se acomodar, nos dando a possibilidade de ver como o novo panorama ficou e assim buscar uma compreensão maior dessa experiência tão avasaladora.
Steves Jobs em seu memorável discurso como paraninfo aborda lindamente essa questão:
“(…) Na época, o Reed College talvez tivesse o melhor curso de caligrafia do país. Todos os cartazes e etiquetas do campus eram escritos em letra belíssima. Porque eu não tinha de assistir às aulas normais, decidi aprender caligrafia. Aprendi sobre tipos com e sem serifa, sobre as variações no espaço entre diferentes combinações de letras, sobre as características que definem a qualidade de uma tipografia. Era belo, histórico e sutilmente artístico de uma maneira inacessível à ciência. Fiquei fascinado.
Mas não havia nem esperança de aplicar aquilo em minha vida. No entanto, dez anos mais tarde, quando estávamos projetando o primeiro Macintosh, me lembrei de tudo aquilo. E o projeto do Mac incluía esse aprendizado. Foi o primeiro computador com uma bela tipografia. Sem aquele curso, o Mac não teria múltiplas fontes. E, porque o Windows era só uma cópia do Mac, talvez nenhum computador viesse a oferecê-las, sem aquele curso. É claro que conectar os pontos era impossível, na minha era de faculdade. Mas em retrospecto, dez anos mais tarde, tudo ficava bem claro.
Repito: os pontos só se conectam em retrospecto. Por isso, é preciso confiar em que estarão conectados, no futuro. É preciso confiar em algo – seu instinto, o destino, o karma. Não importa. Essa abordagem jamais me decepcionou, e mudou minha vida. (…)” (Steve Jobs, 2005)
Ligar os pontos implica em retrospecto, olhar para o passado e dar uma nova cara a ele. Significa ressignificar, dar novo sentido, entender dentro de uma perspectiva mais ampla.
Olhando para cada lembrança, experiência vivida, furacões enfrentados, as coisas começam a tecer um sentido. Steve Jobs exemplifica isso contado a experiência de sacrifício (faculdade) e experimentação (curso) de algo que naquele momento não fazia o menor sentido, mas que algo dentro dele sugeria que experimentasse, nem que fosse pelo mero prazer de lidar com o belo. Ressignificando as intempéries dentro de uma perspectiva mais abrangente, Jobs constrói um novo significado, significado este mais criativo e com ótimo senso de humor! O que seria do Windows sem o Mac… Além desta história, Jobs conta outras, com o mesmo efeito marcante e transformador. Vale a pena ler seu discurso na íntegra.
Esta é uma lição de vida que devemos incorporar. Como junguiana sempre digo “em tudo há uma finalidade maior” e para compreender essa finalidade precisamos olhar para nossa história de vida com a perspectiva de que cada experiencia representa um potinho esperando o momento certo de ser ligado ao todo maior. Essa ressignificação é importantíssima para o processo de individuação (autoconhecimento), pois nos liberta da sensação de sermos reféns da vida e nos devolve o comando de nossa narrativa. Ao ligarmos os pontos temos recursos para prosseguir de forma mais criativa, como Jobs brilhantemente exemplificou.
Portanto, diante do furacão o importante é ter fé, é acreditar que essa experiência tem um significado mais profundo e que no momento certo os pontos serão ligados para que esse novo sentido se apresente. A escolha da imagem deste post não foi aleatória. A mandala é símbolo sagrado que representa a totalidade, a integração. Há um centro ao redor do qual tudo se organiza, onde os pontinhos são ligados, exatamente como ocorre no processo de individuação.
Então, um convite: que tal brincar um pouquinho de ligar os pontos? Quem em sua infância nunca brincou? Pena que a vida adulta com todas as responsabilidades inerentes acaba ajudando a esquecer coisas tão simples, mas tão importantes, capazes de deixar a vida bem mais leve… Boa brincadeira aos que tiverem coragem de brincar!