Há poucas horas da estreia no cinema do grande Best Seller “Cinquenta Tons de Cinzas, impossível não refletir sobre tamanha repercussão. Nas redes sociais inúmeras declarações de contagem regressiva, compra antecipada de ingressos…
Será que o fervor que Christian Grey e Anastasia Steele provocam é apenas sexual? Não há como negar que as cenas “calientes” que a trilogia apresenta tem um fortíssimo apelo. Mas, ficar apenas na dimensão erótica me parece reduzir e limitar tamanha comoção. A trilogia Cinquenta Tons se apresenta como um símbolo contemporâneo, um convite para a reflexão sobre a intensidade e profundidade das relações num momento em que tudo é superficial e fugaz.
No âmbito da psicologia, a grande divergência entre Freud e Jung é a compreensão que têm sobre a energia psíquica. Enquanto para Freud restringe-se à libido como energia sexual, Jung a amplia como energia cósmica, não no sentido místico, mas como manifestação psíquica da energia de tudo, sendo a libido uma parte de sua representação.
Diante disso, a reflexão apresentada do impacto social desse livro/filme, vai além do meramente sexual/erótico, libido. Diz respeito a uma visão mais ampla desse símbolo e às implicações que representa para os relacionamentos amorosos.
Anastasia representa muitas características, ao mesmo que inexperiente e ingênua, é forte, intrigante e perspicaz. Aos poucos seu lado doce adentra o mundo cinzento e sombrio de Christian Grey. No romance, quantas mulheres maduras e experientes sucumbiram a tal proeza.
É como se Grey representasse o inconsciente sombrio e desconhecido. Desde o primeiro contato, Ana fica magnetizada por ele e vice-versa. É esse o efeito que o inconsciente misterioso produz: fascínio. Uma vez em contato, há o desejo de conhecer, explorar mais. E aí que mora o perigo. Se o ego/consciência não é forte e estruturado o bastante, ele pode sucumbir e um confronto produtivo, pode provocar a destruição. Ao longo da estória Grey (inconsciente) e Steele (consciente) vão se confrontando, se relacionando e sofrendo uma transformação mútua.
Apesar de ser uma relação extremamente intensa, é cautelosa. Há regras, contrato, limites que não podem e nem devem ser ultrapassados. As exigências nada convencionais de Grey exigem revisão e negociação. E é assim que o ego deve se “comportar” ao se confrontar com o inconsciente: deve ser atento aos seus limites, ser cauteloso e não impositivo. Sendo assim, deve ter quase uma postura de reverência para que aos poucos o desconhecido vá se mostrando. É desta forma que Ana age, com uma postura de reverência ao mesmo tempo em que está atenta às suas limitações. Aos poucos vai entrando na “sombrio” Grey na busca para trazê-la à luz. Em alguns momentos, ao invés de Ana trazê-la à luz, caminha para o lado obscuro sucumbindo ao desejo. Christian é quase como uma pedra presa ao seu corpo que a leva cada vez mais para o fundo. E esse é o grande perigo: mergulhar tão profundamente, ao ponto de se perder, se indiscriminar e se tornar um dos cinquenta tons.
O que Ana vê em Christian são características dela, ainda inconscientes, que são projetadas na figura tão forte e poderosa que ele representa. O mergulho intenso ao inconsciente “Grey” traz a oportunidade de Ana reconhecer em si potencialidades inimagináveis. A finalidade do encontro é ampliar a consciência. Com Christian ocorre o mesmo: ele é convidado a construir um padrão de relacionamento totalmente novo, que quebra suas próprias regras e o expõe ao “contato” (ligação, objetos que se tocam). Ana representa a materialização de todos os seus traumas e medos, os quais inevitavelmente acaba por confrontar como preço de tê-la para si. Quantos desafios que essa relação representa…
Portanto, restringir Cinquenta Tons de Cinza ao sexual é limitar a reflexão mais profunda que esse romance pode proporcionar. Fantasias, fetiches não convencionais podem representar muito mais do que meros jogos eróticos. Podem trazem à tona desafios “desconfortáveis”, mas que podem ser libertadores, no sentido da autopercepção que traz. Qual o limite? Até onde é possível ir? Traz também a dimensão do perigo de se perder na intensidade da relação.
Assim encerro essa reflexão, deixando a dica: que tal olhar para além do aparente e visível buscando uma finalidade maior? O que os relacionamentos amorosos, afetivos, sexuais têm a dizer? Quantas pessoas saem destruídas e dilaceradas de relações intensas e profundas porque não tinham consciência de seus limites? Quantos relacionamentos foram desperdiçados por mágoas e ressentimentos e não tiveram a chance de serem resignificados para proporcionar amadurecimento e ampliação da consciência?… Como podem ver, a provocação sexual que o livro provoca é apenas uma parte do potencial que ele encerra e por isso é um símbolo.
Agora chega de blablabla e bora ver o filme né?! rsrsrsrs