Semana passada fui convidada para participar mais uma vez do programa Análise Crítica da RIT TV. O tema, na ocasião foi Bullying. Lembrei-me de um trabalho apresentado por colegas no mestrado, em uma disciplina sobre desenvolvimento humano. Tentei entrar em contato para levantar o material, mas o tempo que dispunha não foi suficiente.
Precisei arregaçar as mangas e partir para o “famoso levantamento bibliográfico”. Quem algum dia já teve experiência com pesquisa, sabe do que estou falando…, mas, desta vez não foi um trabalho maçante, foi até que gostoso. Encontrei materiais dos mais diversos, desde apresentações de aula, campanhas de escola contra a prática do bullying, até artigos científicos de revistas conceituadas.
Mas afinal, o que é bullying? Bullying é o termo adotado para designar um tipo particular de violência, que é a intimidação. A palavra deriva do verbo em inglês bully que significa intimidar, mas que não recebe tradução. Esse termo foi adotado na década de 70 na Noruega e rapidamente foi adotado por outros países também. No Brasil o estudo desse tipo de violência, com esse nome, é mais recente. A partir da década de 80 que o tema começou a ser estudado.
No bullying a relação é a três: agressor, vítima e plateia. Para haver bullying, essa equação precisa estar presente. As características deste tipo particular de violência são: relação desigual de poder, repetição intencional de atitudes violentas, seja físicas, psíquicas ou emocionais, na qual a vítima não tem condições de se defender. Geralmente a vítima possui determinada característica que a faz alvo da agressão. Estudos mostram que estrangeiros, alunos obesos, com baixa estatura, homossexuais são alvos recorrentes.
O que me chamou a atenção é que a maior parte do material que encontrei, principalmente os educativos, vê o bullying como algo que precisa ser combatido, eliminado, sendo que o grande vilão da história é o agressor. Apenas um artigo científico problematizou a questão mais a fundo.
O que procurei acrescentar na entrevista é o aspecto sintomático do bullying. Se ele está ocorrendo, é porque algo está acontecendo que precisa ser olhado e entendido. Fiz um paralelo com a febre. Quando estamos com febre é porque nosso organismo está reagindo a algo. Não adianta nada simplesmente tomar um antitérmico e não investigar o que está causando a febre. Na qualidade de sintoma ela pode vista apenas como um fim a ser eliminado. Mas, sua manifestação não deve ser apenas eliminada, ela está ali para mostrar que alguma inflamação está ocorrendo, infecção, enfim. O bullying deve ser visto e entendido da mesma forma. Simplesmente punir o agressor ou proteger a vítima não irá resolver o problema. Pode ter efeito a curto prazo, como um antitérmico que afasta a febre por um momento. Mas, se não investigarmos o que está por trás e darmos a devida atenção, o quadro pode piorar e muito.
O agressor, muitas vezes é ou já foi vítima de alguma situação e/ou agressão em outro contexto. Crianças e jovens que usam da agressão e do abuso de poder, conscientemente ou não, estão mostrando que precisam ser vistos, olhados. E a agressão pode ser a única maneira de conseguirem isso. Se os colocarmos como algoz talvez não consigam manifestar o que estão tentando.
O mesmo ocorre com a vítima. Às vezes pode-se ter uma atitude “super” protetora não permitindo que ela encontre em si recursos para enfrentar a situação. Desta forma, ficará sempre presa ao padrão de vítima indefesa. Outras vezes, pode-se fazer de conta que nada acontece. Mesmo que a criança ou jovem manifeste medo, por exemplo, de ir para a escola, que volte para casa com coisas faltando, roupa e material rasgado, é como se nada tivesse acontecendo. Ou às vezes, pode-se até brigar pela falta de zelo com o material e falta de interesse em estudar. Para a vítima, que se sente acuada, sem recursos para enfrentar a situação e, na maioria das vezes, muito envergonhada por conta disso, não ser olhada e acolhida, o mesmo efeito da superproteção é produzido: cristalização desse padrão.
E, não é raro, que mais tarde, quando a vítima se percebe um pouco melhor, acabe compensado anos de solidão e desprezo, fazendo com os outros o que sofria calada e aí, a vítima se torna o novo agressor.
Portanto, no bullying vemos os dois lados da mesma moeda: o não ser olhado e entendido em sua singularidade.
Na reportagem que participei, passaram uma matéria excelente de uma escola que encontrou a maneira mais saudável de cuidar do tema: ao invés de apenas punir e proteger, de dar o antitérmico, percebeu que algo estava acontecendo e acolheu e incorporou o tema bullying nas aulas como algo a ser estudado e debatido. Criando-se desta forma, um espaço onde as vítimas tiveram sua voz e os agressores o seu espaço de serem olhados de uma forma mais realista.
Adorei participar desta entrevista, contribuir para o tema. Assim como adorei perceber que, apesar de fazer parte de uma minoria, a escola da matéria encontrou uma saída criativa para lidar com o problema, que não o convencional cortar o mal pela raiz. E por isso, resolvi compartilhar essa experiência.