Hoje, para fechar a semana, gostaria de compartilhar um artigo antigo, produzido quando fazia parte do Grupo SEJA – Serviços e Estudos Junguianos Sobre o Amor.

O tema é importantíssimo e perpassa não apenas a relação amorosa, mas os relacionamentos em geral: até que ponto devemos manter nossa individualidade sem sermos individualistas?

Por Grupo SEJA

Individualidade e individualismo: duas palavras parecidas, mas que assumem sentidos tão diferentes. A primeira diz da particularidade que distingue uma pessoa; a segunda refere-se a uma conduta egocêntrica.

No relacionamento amoroso a distinção é bem clara. Ter uma postura individualista é não se entregar, é ver o outro como objeto. Quando isso acontece o que está em jogo não é o amor que sentimos pelo outro, e sim o sentimento de posse, que tem relação com o poder. O individualista tem medo do amor.

Já quando colocamos a nossa individualidade de maneira clara, e também a serviço do nosso crescimento e da relação, é possível a entrega íntima, pois não existe o medo de se perder no contato com o outro. Cada um sabe que ter os seus interesses particulares não abala o relacionamento, ao contrário, só enriquece a convivência trazendo experiências novas que podem ser compartilhadas.

O bom desenvolvimento da individualidade permite que os parceiros não fiquem misturados, ou dissociados. Se essa simbiose acontece, certamente os companheiros não conseguem ainda dar limite para o que é seu e o que é do outro, o que gera uma dependência nada saudável, em detrimento do amor próprio. É preciso saber preservar a própria identidade, já que aceitar em si mesmo e no outro a existência de características negativas, possibilita o encontro verdadeiro no amor.

Quando há respeito por sua individualidade e a do outro é possível reconhecer o parceiro tal como ele é, e perceber que o desenvolvimento independente dele não é uma ameaça para si. Não é preciso existir a posse, o valor da relação é pautado justamente na diferença. Não é preciso haver o controle, se o contrato estabelecido tem como princípio o respeito.

O indivíduo que respeita a própria individualidade e a do outro sabe que onde existe amor, não existe poder, essas são coisas que não podem existir conjuntamente, porque elas se destroem. Fazer um programa sozinho de vez em quando, sair com os amigos sem a presença do amado (a), longe de ser uma ameaça ao casal, indica respeito e confiança.

O individualista, ao contrário, quer sempre conquistar e possuir todos os objetos que deseja, numa tentativa de manter o controle sobre o outro. Isso revela uma incapacidade de sentir dor e aceitar as frustrações. Daí a impossibilidade de entrega e a consequente atitude egoísta de não ceder, não fazer nada em prol da relação e sim seguir os caprichos do seu próprio desejo. Isso sem levar em conta as reais necessidades do relacionamento.

Afinal por que é tão difícil não cair nessas armadilhas que um relacionamento amoroso provoca? Não se entregar, mas também não conhecer o amor verdadeiro; ou entregar-se completamente a ponto de perder-se de si mesmo?

No amor é necessário saber fazer concessões, é preciso permitir que o parceiro seja o que ele é destituído de fantasias, expectativas e projeções. Isto não garante que não haverá dor ou frustração, porém só assim a possibilidade de crescimento se apresenta.

Se perdermos a autonomia e a liberdade por estarmos numa fusão com o companheiro, paramos o nosso próprio desenvolvimento psíquico. Ficamos presos a uma parte de nós mesmos, deixando de viver a nossa totalidade com todas as características que nos fazem ser quem somos. O possessivo cria um tamanho desgaste na relação que o par se sente paralisado, incapaz de reconhecer os próprios desejos adormecidos.

Assim, um verdadeiro relacionamento amoroso envolve parceria, troca e aceitação mútua. E principalmente, os parceiros precisam estar sempre em condição de igualdade, ou seja, o que eles têm a oferecer é nada menos do que si mesmos, além do anseio de se relacionar. Porquê dessa forma os espaços individuais estão garantidos, bem como o aprendizado em conjunto também, e a entrega e o desejo de união com o outro torna-se possível.

(ARTIGO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA ELETRÔNICA VYA ESTELAR DA UOL, NA COLUNA AMOR EM 2004)